Há cerca de seis meses que tenho o meu pai no leito de um hospital do «jardim à beira-mar plantado (Portugal)» - aonde quando queremos esticar os braços um vai dar à Espanha e o outro ao Oceano Atlântico, devido à exiguidade de espaço - a convalescer de um cancro. Ao meu pai (tal como à minha mãe, ai que saudades Dona Maria Helena!) devo tudo (e mais alguma) coisa. É uma dívida sem fim, jamais conseguirei pagar. Mesmo que tenha prata, ouro, mirra, diamante, enfim, estas riquezas fugidias, jamais conseguirei solver a minha dívida.
Tudo que sei (ou pelo menos julgo saber) e sou (será que vivo para servir?) a ele(s) devo. Por exemplo, foi o meu pai que me mostrou o significado das palavras. Foi dele que fiquei a saber quão poderosa são as palavras, que fiquei a conhecer a força que têm as palavras escritas ou ainda pronunciadas. Tomei conhecimento, e cada vez mais tomo disso consciência, por Seu intermédio, que a palavra é, sempre foi, mais poderosa que a espada.
Foi nos anos oitenta, no escritório de casa, ali no Maculusso junto à Liga Africana, que me acostumei e me afeiçoei ao doce e suave matraquear da máquina de escrever quando ele redigia artigos para o jornal ou as suas crónicas para a rádio. Foi neste mesmo espaço que aprendi a amar e (re)conhecer o livro como instrumento pedagógico, mesmo que seja de uma prosa insonsa.
Lembro-me que nos momentos de pausa, o meu pai acendia o cachimbo (ai que saudades daquele aroma, que saudades!) e conversávamos sobre várias coisas e coisas várias. Recordo-me, por exemplo, que depois do almoço assistíamos sempre a um filme, enquanto tomava (mos) café. Depois do filme “obrigava-me” a fazer um resumo escrito do filme.
Ainda está on-line no disco duro da minha memória (ou não fosse a memória feita também, e sobretudo, de memórias) que o meu pai foi a primeira pessoa a quem manifestei o desejo de ser Jornalista. Tenho memória de que, na ocasião, mandou-me fazer uma composição na qual pudesse explicitar as razões do desejo de ser «operário da caneta».
Doze meses depois lembro-me de ter ingressado no Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL) para frequentar durante cinco anos curso de Jornalismo, que tinha como coordenadora a amada e, ao mesmo tempo, odiada a saudosa e malograda Gabriela Antunes.
De lá para cá, passaram-se quase vinte anos. Muita coisa mudou e, como era de esperar, a vida deu muitas voltas. Transcorrido todo esse tempo muita coisa aconteceu: plantei uma arvore na antiga propriedade da minha mãe (mãe, essa doce palavra!); escrevi um livro; fiz filho(s) e depois abracei o curso de Direito.
Contudo, o amor pelo Jornalismo que o meu pai inculcou em mim (sempre) falou mais alto. Prova disso é que aqui me mantenho. Foi (é) por “culpa” do meu pai que passei a acreditar, e acredito, que o Jornalismo quando feito de forma séria e profissional induz à mudança de uma Sociedade. E, convenhamos, muita coisa precisa de mudar nos PALOP’s.
Por isso, enquanto Armando Guebuza (Moçambique) continuar a confundir a estrada da Beira com a beira da estrada, tudo farei para que a pena não me doa para dar conta disso.
Enquanto Eduardo dos Santos (Angola) continuar a patrocinar a cleptocracia, a intriga e a abusar do poder que a Constituição lhe confere, tenho a convicção que O Orlando Castro não se vai calar.
Enquanto Nino Vieira (Guiné-Bissau) continuar a confundir a pátria de Amílcar Cabral com uma qualquer tabanca, tenho fé que o meu amigo de Alverca, o Fernando Casimiro, o Didinho, vai levantar a sua voz.
Enquanto Pedro Pires (Cabo Verde) continuar a iludir a Comunidade Internacional que as ilhas da morabeza resume-se à morna, morenas e grogue, vou, com todo o Direito que me assiste (e permitam-me o brasileirismo), botar a boca no trombone.
Enquanto Fradique Menezes continuar a confundir São Tomé com um bazar qualquer aonde pode ampliar os seus negócios sei que o Mestre e amigo Eugénio Costa Almeida não vai descansar.
E tudo isso porque nos PALOP está a continuação da nossa luta!
Por isso, aqui deixo o meu preito de saudade e consideração, na esperança de que possa voltar logo-logo ao convívio das letras angolanas.
Obrigado pai, de seu nome, Dário Mendes de Melo!
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