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segunda-feira, junho 19, 2006

Cabo-verdianos "facilitaram" plano para matar Amílcar Cabral

Afinal, quem mandou matar o líder histórico do PAIGC, Amílcar Cabral? A pergunta continua sem resposta, a avaliar pelo teor de um relatório divulgado, a semana passada, pelo Departamento de Estado norte-americano. O documento dos EUA vem apenas confirmar que o assassínio de Amílcar Cabral se deveu a profundas desavenças políticas entre cabo-verdianos e guineenses, ou, mais exactamente, entre "os mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente".
Segundo este relatório, a morte de Cabral foi o resultado de uma conspiração entre os altos responsáveis políticos cabo-verdianos e africanos do continente. Embora a cumplicidade portuguesa não esteja posta de parte.
Esta informação resulta de documentos oficiais tornados públicos recentemente em Washington. Este relatório inclui telegramas minutas de reuniões ao mais alto nível do Governo norte-americano, mas também propostas sobre políticas a seguir por Washington face à deterioração da situação político-militar na Guiné-Bissau e Moçambique.
De acordo com aquele documento, as «fricções de longa data» de carácter racial dentro da organização chefiada por Cabral bem como à «oposição esporádica dura» dos seus responsáveis políticos e militares «que se irritavam com os limites impostos às actividades político-militares na Guiné portuguesa e à contínua subordinação dos militares aos objectivos políticos», poderiam estar na origem do assassinato do mais alto responsável do PAIGC.
O documento agora publicado pelo Departamento Norte-americano dos Serviços de Informações e Investigação dá conta ainda que na altura a diplomacia americana estava a par de toda estratégia do PAIGC que levava à declaração da independência da Guiné-Bissau, nas zonas libertadas do território, que, de resto, veio a acontecer em Setembro de 1973.
Recorde-se que o líder do Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde, Amílcar Cabral, foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973 em Conakri e a 1 de Fevereiro do mesmo ano o Departamento de Estado Norte-americano emitira um relatório revelando que «a maior parte dos sinais indicam que o assassínio de Cabral foi resultado de um feudo entre mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente», chamando contudo a atenção para não excluir a cumplicidade Portuguesa.

Morte de Cabral não é nenhum mistério
Expresso das Ilhas quis perceber melhor, junto de pessoas que conheceram de perto o líder histórico do PAIGC e/ou que estudaram o pensamento de Cabral, sobre o fenómeno da sua morte. Deste modo, de acordo com Carlos Reis, actual assessor da Ministra da Defesa e combatente da liberdade da Pátria reagindo esta noticia da LUSA, recorda a sua intervenção aquando do lançamento do livro «Quem Mandou Matar Amílcar Cabral» do português José Pedro Castanheira.
Segundo Reis o jornalista terá chegado nessa obra, a mesma conclusão do relatório agora tornado público pelos Serviços de Informações e Investigação do Departamento de Estado Norte-americano.
Para o ex-combatente da liberdade da Pátria, que por sinal na altura ainda bastante jovem com alta responsabilidade nos meandros do PAIGC e que conhecia bem a filosofia político-militar de Cabral, esta informação que veio agora ao público não é notícia para ele. Admite, por outro lado, que para uma missão de alta segurança, como aquela de Conacry, e muito bem orquestrada, não é fácil de encontrar a prova material do crime. Ou seja, não está em condições de apontar nomes ou países que estiveram envolvidos na morte de Cabral, mas que de facto ouve quem liderou uma grande operação secreta que levou ao desaparecimento físico do líder histórico do PAIGC. Fala por exemplo, da célebre invasão ao Porto de Conacry onde há um grupo do contingente português que demarca do outro que ia libertar os prisioneiros portugueses na prisão da Montanha (estabelecimento prisional do PAIGC). Aquele grupo foi para casa de Amílcar Cabral com o objectivo, segundo Reis de bombardear a sua residência. «A mando de quem?», pergunta o combatente da liberdade da pátria para quem o processo sobre a morte de Cabral na sua perspectiva não é nenhum mistério, porque há muito que se sabe quem mandou matar Amílcar Cabral.
Instado a comentar sobre a parte do relatório onde diz que “a maior parte dos sinais indicam que o assassínio de Cabral foi o resultado de um feudo entre mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente”, diz não ter dúvidas de um encorajamento em termos de cumplicidade por parte de Portugal. Mas que os alegados autores materiais do crime terão agido por conta de um projecto de assalto ao poder (refere com certeza ao poder que Cabral detinha na altura), poderá também corresponder a verdade.
O ex-combatente da liberdade da Pátria confessa, a título de exemplo para ilustrar o comentário que lhe foi pedido, que em 1970 esteve em teatros de operação onde se tentou aniquilar Cabral através de um bombardeamento à casa dele.
Carlos Reis dá toda credibilidade ao relatório do Departamento de Estado Norte-americano, mas ainda assim, acha que o documento padece de alguns elementos importantes para perceber o fenómeno da morte de Cabral. Entende, por isso, que os Serviços de Informações e Investigação do Departamento de Estado Norte Americano recorreram apenas a elementos isolados para fazer a avaliação de um processo histórico que levou décadas.

O Relatório não traz nenhuma novidade
Quem também acha que a notícia não traz grandes novidades é o jornalista e politólogo Daniel dos Santos, investigador sobre o pensamento de Cabral. O professor de Ciência Política e Comunicação da Uni-Piaget põe de parte, em princípio, a tese do envolvimento português na morte de Cabral, embora não o afaste, de todo em todo, em razão dos diversos planos da PIDE para liquidar o líder independentista cabo-verdiano.
Em seu entender, o assassínio de Cabral resulta de um conluio entre a facção guineense do PAIGC, o general Spínola e Sékou Touré. Aliás é o próprio Spínola que admite no seu livro «O País Sem Rumo», que estava, na altura, em curso uma negociação com facção dos guineenses do PAIGC, à revelia dos cabo-verdianos, com vista a encontrar uma solução para o conflito na Guiné, que passava pela assumpção, por parte de Cabral, do cargo de secretário-geral da então província da Guiné.
“Amílcar Cabral pressentiu a sua morte. Em Março de 1972, tornou publico um plano destinado a destruir o PAIGC, cuja autoria atribuiu ao governador da Guiné, na altura António Spínola, e aos colonialistas, ambos convencidos de que a prisão ou a morte do dirigente principal significaria o fim do partido da luta pela independência da Guiné e Cabo Verde”, lê-se na página 332 da tese de mestrado em Ciência Política de Daniel dos Santos.
Uma outra figura que a tese de mestrado de Santos aponta como um dos principais suspeitos pela morte de Cabral é Sékou Touré. É que segundo aquele documento, Sékou Touré, no dia 20 de Janeiro de 1973, de manhã, já que o assassinato de Cabral foi à noite, mandou ao secretariado do PAIGC duas pessoas, o então embaixador guineense em Dacar e um outro responsável, procurar Amílcar para lhe comunicar que tomasse cuidado porque havia gente que o queria matar.

O autor levanta as seguintes questões:
1º - Quem informou ao Sékou Touré sobre a conspiração contra Cabral?
2º - Será que Touré sabia das negociações entre Spínola e os guineenses do PAIGC?
3º - Tendo o PAIGC tomado o conhecimento da conspiração porquê que não tomou as providencias cautelares que passavam por uma medida de segurança do seu líder máximo?
No entender de Daniel dos Santos, a morte de Cabral está intimamente ligada à sua incapacidade de dirimir os conflitos que se lhe opunham no seio do PAIGC. Ou seja, a dissidência entre cabo-verdianos, que detinham uma formação académica mais elevada e, que por isso, era lhes atribuídos as responsabilidades da luta politico-diplomática, e os guineenses cuja grande parte estava na luta armada.
Os cabo-verdianos, sendo embora uma minoria demográfica, constituíam uma maioria sociológica no seio do PAIGC, situação que lhes permitia deter e controlar, com assentimento de Cabral, a sede do poder naquele partido, em detrimento dos guineenses. Daniel dos Santos concluiu que a morte do fundador do PAIGC foi apenas um golpe de Estado, durante cuja execução, por guineenses, se registaram alguns percalços que deixaram em pânico Kani e os seus pares, que, sem delongas, o mataram.
O politólogo cabo-verdiano sustenta que alguns dirigentes do PAIGC, de entre os quais constam, também, cabo-verdianos, «facilitaram» o plano para liquidar Amílcar Cabral, cuja permanência na chefia do partido se mostrava insustentável, em virtude da dissidência entre os guineenses e os ilhéus de Cabo Verde

* Este artigo foi palmado daqui

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