A glória do autor de "Luuuanda" no Prémio Camões
Luandino Vieira, hoje com 71 anos, acaba de ser galardoado com o “Prémio Camões”. Nada mais justo. Nada mais lógico. De facto, o Prémio, que é o mais importante galardão literário da lusofonia, foi criado, em 1988, para distinguir um escritor cuja obra contribua para o enriquecimento cultural e literário em Português.
Luandino Vieira é um dos criadores da ficção angolana, não deixando de ser um notável escritor lusófono, no que o termo tem de “globalizante”. O homem-escritor pensa como se no musseque estivesse, usando e abusando, no melhor sentido do termo, da língua mesclada de Português e Quimbundo, que se fala no subúrbio das grandes cidades. A africanidade lusíada tem nele um dos maiores expoentes. E tem História... se deixarem a História ter memória.
Corria o ano de 1965. Na (então) Emissora Oficial de Angola, a notícia caiu como uma bomba. É que a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuira o prémio de Novela ao livro “Luuuanda” de Luandino Vieira.
Dois ou três jornalistas da “geração de ouro do Jornalismo angolano” ficaram mais do que eufóricos. É que o “Luuuanda” de então dava a conhecer uma corrente – não apenas literária, desenganem-se os que pensam assim... – que era seguida, em pensamento só, claro, por muitos do que, na altura, pensavam. E que seguiam, talvez, o pensamento de um Aníbal de Melo, que já andava nas matas, ou de um Machado Saldanha que acabara por fundar um Jornal que ia na mesma calha, embora muito mais “português” do que “angolano”.
Dois dos jornalistas que saudaram – a medo, que os tempos não eram para heroismos, como dizia o grande Aníbal de Melo – a obra premiada e a coragem dos que apontaram o nome de Luandino Vieira, tiveram de ser os “instrumentos” da luta que o governo de então desde logo abriu contra o escritor e contra a Sociedade Portuguesa dos Escritores.
Tem destas coisas os imponderáveis de uma profissão-missão que é mais um “modo de morte” que um “modo de vida”. Pela voz de Rui Romano, que já lá vai, receberam indicações de que, todos os dias, teriam de fazer uma nota a “repudiar” a atribuição do Prémio. Ele não concordava (nós sabíamos) mas a ordem vinha de cima. E naquela altura quem não tivesse coragem para se auto-imolar, teria de cumprir.
José Nunes Pereira e quem estas linhas traça eram os encarregados do tal “repúdio”. Que foram cumprindo em sucessivas notas do dia da então “Maçadora” Oficial, que só viria a mudar com a clarividência de um senhor, Oliveira Pires, que haveria de ser saneado pelos “todo poderosos” senhores que pegaram nas rédeas de Portugal depois do 25 de Abril. Mas... naquela altura só havia pigmeus a mandar nos destinos da Rádio Oficial.
O “repúdio” ficou então entregue aos dois novatos Jornalistas. Que acharam que deveriam dividir, entre si, o sacrifício. “Hoje... repudias-te tu”, diziam de si para si. “Não... não... repudia-te tu, que eu paguei ontem o café”, insistiam. O Zé Nunes Pereira lembra-se, decerto. E a mim nunca me esqueceu. Nunca me esquecerá e já contei aos meus.
“Luuuanda” haveria de ser editado apenas em 70. Depois... foi apreendido. Como era hábito. O escritor... escolheu o caminho da coragem. E foi enviado para o Tarrafal onde esteve 11 anos. Se juntarmos ao tempo em que esteve preso, em Luanda... hemos de concordar que a sua “coragem” foi bem “temperada”.
Lembrar isto, hoje e aqui, não é mais do que dar um abraço longínquo ao velho Luandino, agora a viver em Portugal, ainda que mergulhando todas as suas raízes na Angola que ambos amamos. Ele e muitos outros da “geração de ouro” dos Jornalistas e Escritores daquele País que não há maneira de encontrarem a paz do futuro, nem que seja numa campa rasa, algures, na terra querida que teimam em nos negar.
Com “Luuuanda”, e com o Prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores, Luandino Vieira teve a tortura e a prisão. Com o Prémio Camões... um cheque de 100 mil euros e a consagração. Honestamente, muito honestamente, não sei – teimo em não saber – qual o “prémio” que mais alegria deu ao escritor. Por mim e pelo meu irmão Nunes Pereira – que não vejo há montes de anos... – sei bem qual foi o “melhor”. Mas... não digo! Adivinhe o leitor.
Crónica do Jornalista F.Cruz Gome publicada inicialmente no único jornal do mundo virado para a Lusófonia, Notícias Lusófonas
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